sexta-feira, 1 de julho de 2011

A DICOTOMIA DE UM HOMEM: JUIZ E PASTOR

Por José Alfredo dos Santos Filho (Pastor, Teólogo, Jornalista)

Firulas a parte, vamos às notícias que mexem com a cabeça de muitos religiosos e fanáticos.
A notícia de que um juiz anula mais uma vez o ato de "união estável" entre dois homens parece eclodir como bomba na sociedade medíocre e estúpida em que vivemos. Este juiz não está vivendo a verdade, e muito menos sendo testemunha de Jesus.
Pelo fato de sua decisão se basear apenas em preconceitos religiosos, tendenciosos, de textos mal interpretados e até maldosamente dirigidos a grupos hostilizados pela religião, e não por critérios e conceitos universais, peca por se rebelar as próprias leis que prometeu obedecer e fazer cumprir ao se formar. Ora, ninguém é obrigado a nada fazer, senão em virtude de leis. Existe uma lei, e o juiz, que é um servidor público, não pode se omitir ou se rebelar contra ela simplesmente sob a argumentação de que é religioso. Não estamos mais em um país declarado “católico”, graças a Deus, e nem de longe almejamos viver em um país cristão, evangélico, protestante, pentecostal e por aí afora. Todo religioso é fanático, por tanto, impiedosos, sem misericórdia, sem compaixão, sem perdão. Frios, calculistas e inventores de males, eles usam da religião para matar, roubar e destruir (Evangelho de João, capítulo 10 e versículos 8,10). Somos um país “laico”, como afirmou o então presidente Lula. Isso significa, literalmente, que não temos “religião oficial”, que aqui, no Brasil as relações entre as pessoas se baseiam na tolerância e respeito a seus credos e opções, que há liberdade para se apresentar seus deuses, sua fé, seus ritos, seus cerimoniais, cultos, liturgias sem impor aos outros, e muito menos no intuito de agredir a outros. Aqui neste país é proibida a exibição de lutas de titãs e deuses que se digladiam para mostrar força e poder sobre os outros deuses.
Todos têm direitos até onde começa os dos outros. Não se pode pautar a vida de todos pelo que alguns acreditam, crêem, ou por um livro, ou livros que mostram uma religião como única, ou um deus como único e verdadeiro. Buscamos o modelo universal do conhecimento e da verdade em que a máxima foi dita por um homem que não se autoproclamou Deus, que é "amar a Deus sobre todas as Coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos", chamado JESUS. Ele nos deixou ensinos práticos e verdadeiros, sem religiosidade, mas cheio de misericórdia, de amor, compreensão, compaixão e perdão. E disse que desses dois mandamentos dependeram toda lei e os profetas. Até os dias de hoje é válida esta afirmativa.
A homofobia existe a partir da existência do homossexualismo. Isso é óbvio, porque só há o “norte” por causa do “sul”, o preto por causa do branco, o céu por causa do inferno. Caso não houvesse a bipolaridade, nada teria referências e seriam únicas. Como a vida seria chata, imaginem!? No casa da homofobia e do homossexualismo ambos são danosos à sociedade, ambos estão fora do contexto universal de amor ao próximo. Primeiro, pelo fato de confundir “amor” com “sexo”. Um independe do outro. Pode alguém amar intensamente sem nunca ter experimentado o sexo com outrem, como pode alguém fazer sexo intensamente, todos os dias, sem nunca ter amado. Segundo que, por insistir em impor suas regras e fé aos outros, através da força e das armas, cometem pecado e crime contra toda humanidade, porque o Deus de verdade jamais fez ou faz qualquer tipo de pressão ou chantagem, ameaças para que alguém creia nele ou o aceite como Senhor, caso contrário seria um deus mentiroso e covarde, pior que homens e mulheres que através do medo, da chantagem, de ameaças e enganos fazem com que outros homens e mulheres os obedeçam e os sirvam sob a égide do medo, do pavor, do terror.
São bestiais tais atitudes e comportamentos religiosos, filosóficos, em que pessoas são subjugadas através de mentiras e ameaças, porque a universalidade de idéias e ação se encontra não na padronização, mas sim nas diferenças, porque estas enriquecem a todos quanto ao amar, perdoar, enquanto a outra empobrece e embrutece aqueles que se deixam influenciar e dominar por ela. Cegos, odeia (ou vivem no medo) a tudo o que desconhecem ou que não concordam procurando então perseguir e destruir para se verem livres ou superiores aquilo que aparenta ser maior que eles.
Somos todos, criaturas de uma mesma matriz, quer queiram, quer não, humanóides com capacidade de criar, inventar, construir e destruir a tudo à nossa volta. Somos capazes de modificar nosso espaço e criar meios de se divertir através de simples idéias. No empirismo encontramos o verdadeiro saber construído a partir do nosso tempo e espaço nas experiências cotidianas. O problema está em saber compartilhar com os outros tais conhecimentos, sem desrespeitar o de outros, somar e compartilhar, seria o ideal.
Então, para que servem as leis? Servem para organizar toda sociedade quanto à postura e conduta de uns para com os outros, e não padronizar e obrigar a todos seguir a mesma coisa. O primeiro objetivo da lei é a de "equilibrar" as diferenças, porque jamais se conseguirá acabar com elas numa sociedade com matizes infindos que se multiplicam e se transformam em tantos outros matizes, que não se podem contar definitivamente quantas são.
Justiça é isso: "equilíbrio, eqüidade" entre todos. Todas as vezes que há desequilíbrio, seja na sociedade que for, seja no tempo e espaço que for, há "injustiça", portanto, "maiorias" e "minorias" se digladiarão em todo tempo por uma posição de comando, de superioridade, de supremacia, de poder. As minorias querem, ou dominam sobre a maioria, enquanto esta última se revolta numa constante agressividade, na tentativa desespera de buscar o equilíbrio.
O mundo é assim, está assim, por isso "jaz no maligno", está sepultado no que é mal. São poucos dominando a todos os outros por meios truculentos, ameaçadores, através do terror e do medo. Os meios de produção, comércio e serviços ficam nas mãos de poucos, em detrimento da maioria que a nada tem direito, senão somente deveres de produzir cada vez mais riquezas, ganhando cada vez menos, até a miséria total. E tudo isso para que a minoria enriqueça sempre mais, cada vez mais. Daí a frase afirmativa verdadeira: "o povo não é pobre, não nasce pobre, mas é empobrecido intensa e constantemente por aqueles que sugam suas energias para ficarem mais fortes e senhores de tudo e de todos" (por José Alfredo dos Santos Filho).
Então, voltemos ao juiz em pauta. Não basta apenas anular ou se recusar a casar homem com homem, mulher com mulher, mas sim entender, e fazer entender a todos, que como servidor público fará o casamento sempre mediante as leis do seu país, que determinam e garante tal direito aos homossexuais e a outros. Que como cidadão, religioso jamais aprovará tal união, mas sem discriminação e preconceitos estará argumentando, sempre com amor e misericórdia, a estes, o “por que” de sua decisão.
Sendo coerente e explicito quanto a seus direitos e deveres como cidadão e servidor público, o referido juiz argumentará que suas decisões estão embasadas segundo sua consciência cívica e religiosa: “Direito tem de não fazer o casamento em sua igreja, sinagoga, templo, ou, seja lá o que for, como líder evangélico, pentecostal, protestante, católico, cristão, ou, seja lá o que for. Tem o direito de não concordar, de jamais realizar tal cerimonial, argumentando sempre que não é servidor público e muito menos tem do Estado recebido autoridade para cumprir tal ato como religioso”.
Idéias e opiniões pessoais e de alguém que é pública, muito ajuda quando coerentes e verdadeiras. Agindo assim estará ensinando a muitos e mostrando que a lei não contempla tais personagens da sociedade (pastores, bispos, apóstolos, etc.) como juízes ou servidores públicos, mas sim cidadãos com direitos iguais perante toda sociedade, inclusive a de não querer realizar casamento de pessoas do mesmo sexo.
Sendo assim, como juiz, erra este cidadão ao não fazer ou anular o que está feito pelo simples de evocar preceitos religiosos ou bíblicos, quando a Bíblia não pode, nem deve ser o livro que determine toda política e economia de uma sociedade pluralista como a nossa. Primeiro, porque é ele um servidor público, e isso é um fato. Regido por leis de um Estado laico, jamais deve evocar mandamentos religiosos para determinar sua conduta e decisões. Portanto, é obrigado, sim, a cumprir tal determinação de casamento. Segundo, que como religioso e pastor deve ensinar a convivência pacífica e tolerante quanto a crenças, fé e opiniões, e não estimular a desobediência civil contra as leis estipuladas, ou a violência contra grupos que não comunguem com as mesmas práticas. O juiz prometeu, quando de sua formatura, zelar, cumprir e fazer cumprir as leis estabelecidas do seu país, então, que se cumpra.
Opções há. Demitir-se da função de juiz, cargo outorgado pelo Estado que o classifica como um servidor público, e não como “um servidor religioso”. Aí, como cidadão comum, poderá exercer tal direito sem se rebelar. Ou, separe as duas coisas (juiz e pastor) para que toda sociedade não fique confusa quanto à própria lei e quanto à própria religião. Porque o juiz não pode agir como pastor, e muito menos um pastor agir como juiz, ambas as funções são exageradamente conflitantes e heterogêneas.
O crente em Jesus jamais será um religioso fanático, incoerente e rebelde sem causa, porque Jesus disse que “não seríamos mais desse mundo, e o mundo nos odiaria por isso”. Por isso o que? Por agir diferente de todos, por exemplo, “amando os inimigos e orando por aqueles que nos perseguem sem causa ou por amor a Jesus” (Mateus 5). Assim sendo, seremos sempre diferentes, até porque Jesus nada falou sobre tais uniões homossexuais, nunca fez alguma citação de condenação ou repúdio. Nunca condenou alguém por pecar, seja porque pecado for. Então, sendo assim, se seu mandamento é amar e salvar a todos, estão incluídos também os homossexuais, os pedófilos, aqueles que fazem sexo com animais e com defuntos, e por aí afora. Todos merecem salvação, todos merecem misericórdia, compreensão, compaixão e perdão. Só os discípulos de Moisés é que matam, assassinam, condenam, apedrejam e não perdoa nunca, senão se pagarem, e caro, é óbvio.
Somos discípulos, servos e amigos de Jesus, amamos e perdoamos, temos compaixão e misericórdia sempre. Agora, se sóis discípulos de Moisés, ou de Paulo, que continuem a praticar o ódio, a indiferença, a acusação e condenação, a discriminação, e desenvolvam com maior intensidade os preconceitos, de modo que realmente mostre quem verdadeiramente são, de quem são discípulos, porque “não cabe ao discípulo ser maior que seu mestre, mas igual a seu mestre!”.

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